terça-feira, 4 de maio de 2010

Eu, por mim mesmo



Quem quiser que me acompanhe de perto, vendo-me tão teso olhando para o chão... É que para pensar, sem querer, eu encaro um amor tão impossível que, de dentro, não tem qualquer relação com o que já existe na natureza. O amor de que falo é como rosa no pé, mas com espinhos. Ao ponto que, de longe, apenas em vôo obliquo e tão disfarçadamente, eu busco incessantemente o que é: a matéria grossa que me serve de alimento para vida. Pois a irreverência de que falo está intrínseca e é minha máscara camaleônica... Nas árvores eu me escondo e entre frestas eu tento uma revolução silenciosa. Dá-me o minuto de silêncio que é a minha secreta música dos pobres – a que eu escuto saindo de mim próprio, baixinho assim, numa triste alegria.


E minha voz, de diáfana e baixa, se transformará num grito estrídulo no meio da floresta deserta. Eu não sabia que podia emitir algo de mim próprio. Deste modo, para não pecar, continuarei correndo com a mão cobrindo a boca.


Teço meu trabalho no canto de minha casa. Em silêncio. Os olhos a mirarem apenas meus instrumentos que me trazem a alegria. E, então, me sinto, o que é coisa grave. Mas de mim não sai som, eu sou ligeiramente mudo; e se existe qualquer som, ele não me deve a vida. Atravesso a sala como quem atravessa uma vida. O som indo e vindo, ora em murmúrios guturais, ora em maior uivo. Indo e vindo, indo e vindo do piano. Atinjo o clímax que, sem querer, deixa-me completamente encharcado... Atravesso a sala, voando pela música, com os pés fora do chão à procura de uma palavra que seja acima da força natural – a palavra que destrói as nuances de uma suposta liberdade em seus meandros de loucos silêncios. Nessa danação, a vitória que vem de dentro não toca a superfície. A superfície é o que jamais podemos adquirir porque ela é o máximo. E nós já estragamos tudo em vivermos ricamente lambuzados no pouco.


Do paraíso, que não era sobretudo um paraíso... Piso nas maçãs malsãs, o líquido do pecado debaixo dos pés. A maçã nunca trouxera o pecado, porque ela já é o Pecado. É o que é. Uma vez pisada, a maçã se rebela e seu cerne se dilui no corpo e o expulsa para fora, enquanto inúmeras outras coisas são expulsas para dentro. A maçã é, deste modo, o Deus e o Demônio... e seu papel se estende a mais, se estende a ser as figuras secundárias e expulsas do “paraíso”: Adão e Eva. E porque visto a máscara. No baile. Atravesso o vasto salão dos que, por toda a vida, se enganaram comigo. Eu nunca fui etéreo e, ao contrário, bebi a completa maquilagem. O que não era para fazer eu terminei, em tarefa árdua através de meu gritante afã. De cabeça erguida – agora sem a máscara – eu me olho pela tatuagem ou pela fresta. Ademais... me vendo me vendo através de coisas sempre não-vivas e belas.


Sim. Pois o sublime é, acima de tudo, a predominância da grandeza; o belo é, ao contrário do que se pensa, o equilíbrio dos sumos sublimes; o bonito implica a forma primorosa, longe de qualquer perfeição da beleza. Já o lindo é a maior ponderação da beleza, mas somente em certos casos; e o formoso é propriamente o que mais se aproxima do belo em plenitude de forma. E o feio é o que vem de antemão: é o início. Amor entre mãe e filho. Do calor da mãe é o que a criança precisa. E a mãe sabe porque já nasceu para ser a cuidadosa, a que segura com firmeza toda uma coluna vertebral que existirá de hoje em diante, e que não mais fará parte dela algum dia. Porque a criança pisa nos caminhos, a criança é o ser que busca enquanto a mãe, cansada, somente espera. Eis que erro: a mãe sabe, e saber é não encontrar solução. Saber é fingir que se tem uma vida.


Eu venho de uma alegria de prostituição escondida, de uma libertinagem cosida para dentro. Mas não se engane, porque eu sou maléfico. Eu, tentando salvar, sou capaz de matar as coisas protegidas. Assustado, discreto, saio pela porta dos fundos... Existindo pelo trabalho de existir e cuspindo no chão, não por nojo, mas para doar o que sou ao mundo.


Ando em devaneio dentro de um ateliê vetusto contendo os quadros de antes.

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