sexta-feira, 7 de maio de 2010

O jogo dos pesos

Pôs um peso sobre a barra, e depois outro e outro. Trinta e cinco quilos. E um, e dois, e três..., ia contando enquanto suportava o peso sobre os braços rijos. E um, e dois e três..., noutra seqüência, até que terminasse com a última e dolorosa seiva de aceitar peso. Então os braços caíram e os músculos dormentes foram puxados agilmente. A energia corpórea deu um suspiro e ele, então, se recompôs numa fração de segundo, levantado o corpo, puxando da perna e do bíceps direito.

Deitado sobre a maca, acendeu um cigarro e viu as casas amontoadas em cima do barranco que, se elevando, caíam na cruz longínqua de uma igreja. As casas amontoadas sobre o morro túmido e violáceo formavam um triângulo e os picos montanhosos, por trás dos grandes e tesos eucaliptos, eram cingidos pelo vôo de um pássaro pesadão.

Terminou o cigarro e jogou o toco longe. Estava tão translúcido que não conseguia sentir os músculos mais, nem o coração, nem nada. Era preciso continuar de outra seqüência, a seqüência que o faria perder peso. Ele estava tão gordo que nesta manhã vomitara.

E, então, deitou-se de bruços sobre o assento comprido, verteu a cabeça sobre os braços, fechou os olhos, pôs os calcanhares na parte inferior das duas pequenas barras, e, influindo força, fez um único movimento que elevou trinta quilos sobre as pernas. Não suportou, deu um grito abafado, e soltou os músculos que, frouxos, não agüentaram o peso da barra. Deveria aproveitar a ausência do instrutor para ser livre e fazer o que quisesse, usando todos os aparelhos de uma única vez; era esse o plano. E de novo fez força elevando o peso bem devagar, sua fronte úmida, o corpo trêmulo. Segurou o peso nos ares por vinte segundos e o soltou lentamente. Continuou de bruços, mas agora ergueu a cabeça e teve pela primeira vez a noção exata do tamanho da área: era funda, aberta dos lados para a entrada do ar. Antes, talvez por relutância ou medo, ele acreditava que para se ter noção de um espaço era necessário um grande conhecimento ou uma certa distância da coisa. A face corou.

Foi então que ele descobriu uma seqüência necessária e estava saindo pela contramão, erguendo as sobrancelhas, cheio de culpa. E isso era algo grave demais para a omissão que sempre tivera mas nunca dissera por causa desta única visão: a dos pesos que teria de suportar para se tornar forte. Ergueu-se e de pé, iluminado pela palidez da área, saiu dali para ser Eduardo: um peso no mundo.

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